Por que Bolsonaro é genocida?
PRIMEIRA PARTE A crise do oxigênio em Manaus mobilizou as redes bolsonaristas a veicularem a ideia de que a responsabilidade sobre a gerência desse recurso havia sido decidida pelo STF quando este garantiu relativa autonomia aos estados e municípios do país [1]. A estratégia era clara: tentar isentar o Governo Federal de sua responsabilidade ante à morte de mais de 208 mil brasileiros. Não é preciso muito, no entanto, para constatar quão grande é a mancha de sangue que se derrama sobre a rampa do Planalto. O blog O outro lado da coisa inicia hoje uma minissérie de textos sobre por que Bolsonaro deve ser considerado um genocida e seus apoiadores, cúmplices.
"Fizemos a nossa parte", disse o presidente Jair Bolsonaro no dia em que viralizaram vídeos e relatos de médicos e parentes de pacientes hospitalizados em Manaus-AM desesperados pelo esgotamento do estoque de oxigênio nas unidades de saúde da cidade, o que condenava pacientes de COVID-19 a morrerem sufocados em macas dos hospitais ou mesmo em casa. Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz-Amazônia, chegou mesmo a comparar as unidades de saúde já sem balas de oxigênio a "câmaras de asfixia" [2]. De fato! O governo federal, de fato, fez e, mais, continua fazendo a parte dele: desdenhar do vírus, dificultar as ações de prevenção, aumentando a taxação sobre os insumos médicos, coagindo os profissionais de saúde a utilizarem remédios sem evidência científica contra a doença, estimulando a desconfiança nas instituições e nos profissionais de saúde (houve casos em que, estimulados por vídeos do próprio presidente, bolsonaristas invadiram hospitais de campanha [3]), estimulando o obscurantismo à medida em que insiste em deslegitimar as pesquisas científicas, a vacina, e tudo isso enquanto estimula o conflito, a desagregação social, a ignorância, o enfrentamento às políticas de isolamento social, o não uso de EPIs. Realmente, o governo está fazendo tudo o que pode para promover a sua política de morte.
Após a repercussão inclusive internacional da situação de calamidade em Manaus, num rápido passeio pelo grande mural de debates em que se transformou o Facebook, é possível observar hordas de Bolsonaristas repetindo o discurso pronto que responsabiliza os estados e municípios pelo que está acontecendo. São as mesmas desculpas, é quase o mesmo texto, com a mesma sequência de palavras, em alguns casos, os mesmos termos. Como já se identificou em outras ocasiões, são informações repassadas em bloco pelas comunidades e grupos bolsonaristas e que são reproduzidas sem qualquer exame mínimo, sem qualquer racionalidade.
Ao se reportarem à responsabilização dos estados e municípios garantida pelo STF no início da pandemia no Brasil, os bolsonaristas esquecem que o STF determinou relativa autonomia aos entes federativos justamente porque o Governo Federal, naquele momento, sequer cogitava fazer algo para evitar a crise, simplesmente por acreditar que era tudo uma grande armação comunista para derrubá-lo. Bolsonaro duvidou da letalidade do vírus dizendo que a COVID-19 "não é tão grave assim" [4], afirmando que a imprensa brasileira exagerava quanto à cobertura da crise sanitária [5], chamou de "gripezinha ou resfriadinho" [6] e promoveu a galope a falsa imagem de que não havia o que temer, de que já tudo estava sob controle; numa certa ocasião, chegou mesmo a afirmar que o vírus, no Brasil, já estava "indo embora" [7], isso ainda era abril de 2020, criando uma falsa percepção na população de que já seria seguro romper o lockdown que os governadores e prefeitos nos impunham.
Devem não se dar conta, os bolsonaristas, de que, além de um Presidente da República ser o representante maior da nação, como figura pública, é responsável direto pelo que diz e faz e pela influência que exerce sobre a horda de seguidores desinformados que o têm como modelo. Ora, o que o "presidente" tem praticado desde o início da pandemia? O que tem promovido, estimulado, divulgado desde o início da maior crise sanitária que o país e o mundo já enfrentaram? Que tipo de mentalidade Bolsonaro vem construindo de março de 2020 para cá? Quando foi que ele incentivou o uso de máscaras? Quando perdeu alguma oportunidade de provocar aglomerações, de incentivá-las?! Antes disso, quando foi que ele, pelo menos, reconheceu minimamente a gravidade real dessa doença e sua capacidade letal?
A matemática dos Bolsonaristas é tão defectiva que eles acham que a questão é a quantidade de cilindros! Chegaram a viralizar o caso isolado de um caminhão com 36 balas de oxigênio sugerindo a narrativa de que elas teriam sido escondidas para prejudicar a imagem do governo federal! São paranóicos iguais ao seu líder. Não conseguem perceber, em suas atropeladas equações mentais, que a questão é anterior.
Bolsonaro não perdeu nenhuma chance de desdenhar, diminuir, desprezar o risco real e o potencial letal da COVID-19. Todo e qualquer ato seu, desde março de 2020, quando se opôs ao lockdown, até a tentativa recente de desacreditar a vacina do Instituto Butantã por mero capricho político, encorajou os mais vulneráveis mentalmente, os deficitários de informação e inteligência, a se aglomerarem em manifestações anti-isolamento social, anti-vacina, anti-ciência, anti-universidade. O discurso de apologia à ignorância e ao obscurantismo incentivou o comportamento irresponsável de grande parte da população brasileira e culmina, hoje, na morte de mais de 208 mil pessoas no país. Deve, portanto, ser impeachado e preso! Deve, portanto, ser responsabilizado como genocida. E seus apoiadores, como cúmplices. Léo Mackellene é escritor. Mestre em “Literatura e Práticas sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Argumentação jurídica no curso de Direito e Editor-chefe de Publicações da Faculdade Luciano Feijão (FLF), em Sobral-CE. Membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE). Redator do Guia Dragão. E-mail: leomackellene@gmail.com
O texto "Os crimes do presidente", publicado em maio de 2020, contem uma pequena amostra de infrações a artigos da Constituição e ao Código Penal cometidas por Bolsonaro. Confira no link abaixo!
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