Inconfidência Mineira, Bolsonaro e o Pré-Sal
- Léo Mackellene
- 4 de dez. de 2019
- 5 min de leitura
A história do petróleo no Brasil é a mesma história do ouro. Entre uma e outra, está Bolsonaro. Ele representa a superação de nossa condição de colônia do mundo ou sua continuidade?
A Inconfidência Mineira, ocorrida em 1789, foi o primeiro ato de soberania nacional do Brasil Colônia, e aconteceu justamente porque a Inglaterra, através de Portugal, espoliava o ouro de nossas Minas Gerais.
Os estudos mais recentes estimam que foram levados do Brasil, no Ciclo do Ouro mineiro, mais de 580 mil quilos de ouro puro. 1g de ouro puro, 24k, vale hoje, janeiro de 2019, R$ 155,35. Fazendo as contas, são quase 90 milhões de reais. Mas isso é em valores de hoje, quando o ouro concorre com outras formas de riqueza mineral. No século XVIII, segundo o estudo de Angelo Alves Carrara, “Para uma história dos preços do período colonial” (1), o grama do ouro 22k − menos puro, portanto − era cotado em Lisboa por 102$400 réis, o equivalente a quase R$ 12.550,00 de hoje. 1 grama. Foram 580 mil quilos. Faça os cálculos!
Agora nos levam petróleo. Estamos no Ciclo do Petróleo no mundo. Ainda. Claro que outras tecnologias combustíveis estão sendo desenvolvidas, inclusive mais sustentáveis, menos poluentes, mas estima-se que o Ciclo do Petróleo ainda dure mais de 40 anos. Otimistas falam até em mais 100 anos. E não estou falando só de gasolina pra colocar nos carros, ou diesel pros caminhões. Falo dos seus derivados. Esse celular que você tem aí na mão tem petróleo. Ou seja, no momento em que achamos a mina de ouro negro, o pré-sal, nós simplesmente abrimos as portas para que empresas estatais estrangeiras explorem (ou espoliem, como preferirem) nossas riquezas. Estatais estrangeiras. Estatais.
No dia 28 de setembro de 2018, enquanto nos dividíamos entre o fascismo e o lulismo, dois tipos de partidarismo messiânico, eles conseguiram o que queriam: leiloaram a última reserva de petróleo do Brasil. O pré-sal foi vendido! Enquanto o mundo todo discute a sua autossuficiência energética, o Brasil abre mão da sua.
Em 1934, foram descobertos indícios de petróleo no recôncavo baiano. Um ano depois, em 1935, inaugurou-se o programa de notícias por uma rádio de longo alcance nacional, o “Repórter Esso”, financiado, claro, pela indústria petrolífera americana.
A Petrobrás foi criada em regime de monopólio estatal de exploração do petróleo em 3 de outubro de 1953, pela Lei Federal 2.004. Dois anos depois, chega para compor o quadro técnico da empresa o geólogo estadunidense Walter Link, que, ao fazer uma avaliação da capacidade petrolífera do Brasil, conclui, num relatório publicado em 1960, que a petrobrás deveria investir em exploração submarina e não em bacias continentais, ou seja, não em terra. Sob os protestos dos liberais, que diziam que “o estado brasileiro não tem condições de explorar esse nicho comercial” – alguma semelhança com hoje? −, a Petrobrás investiu numa tecnologia inédita no mundo e tornou-se a primeira empresa do mundo a explorar petróleo no mar. A Petrobrás ganhou por diversas vezes o prêmio OTC Distinguished Achievement Award for Companies, Organizations and Institutions pelo desenvolvimento de tecnologias para extração de petróleo em mar, uma espécie de Prêmio Nobel de exploração de petróleo.
Ou seja, 60 anos de investimento público em extração em águas profundas. Um trabalho pioneiro no mundo! Todos os países extratores do mundo vêm estudar essa tecnologia aqui. 60 anos procurando, desde a fundação da Petrobrás, em 1953, e finalmente achamos: em 2006, descobrimos, enfim, um campo de petróleo capaz de transformar o Brasil numa das maiores produtoras de petróleo do mundo: o pré-sal. E agora que o achamos... tchãrãm... entregamos aos estrangeiros.
Tudo começou quando Lula assinou, em dezembro de 2010, a Lei 12.351, a chamada Lei de partilhas pela descoberta do pré-sal. Seria um momento de bonança para o país. Em setembro de 2013, dia 09, Dilma sancionou o projeto de lei nº 323, que destinava 75% dos royalties do petróleo para a educação pública e 25% para a saúde pública e reafirmando o monopólio estatal de exploração do pré-sal. Para os interesses estrangeiros de olho no petróleo desde 1935, foi a gota d’água: sofremos um golpe (ou impeachment, se assim preferirem; tanto faz já!).
Um dia depois da aprovação do Impeachment da presidenta Dilma na câmara de Deputados Federais presidida por Eduardo Cunha, em abril de 2016, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) foi a Washington para uma reunião com o Senador Bob Corker, do comitê das Relações Internacionais dos EUA, e com o embaixador dos EUA no Brasil, o secretário Thomas Shannon. Coincidência? Pois tem outra: dias após a aprovação do Impeachment no senado, em agosto de 2016, o secretário de estado dos EUA, John Kerry, veio ao Brasil; quando Temer já era presidente e José Serra (PSDB-SP), ministro das Relações Exteriores. Na sequência desses dois fatos, já em setembro de 2016, o CEO da Shell petrolífera, o alto executivo Ben Van Beurdeno, reuniu-se com Temer para tratar do futuro da extração de petróleo no Brasil.
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Mas… o que tudo isso tem a ver com Bolsonaro?
Um dos pontos fortes da campanha de Bolsonaro foi “Brasil acima de tudo”. Apesar de ter votado em 2010 contra a participação de estrangeiras na exploração do pré-sal junto à Petrobrás, com o pleito mais próximo, visando agradar às elites (historicamente entreguistas), no dia 20 de junho de 2018, o deputado votou a favor da PL 8.939/17, que entregou 70% do pré-sal às empresas estrangeiras.
Não é a única demonstração de seu “patriotismo” peculiar. No próprio plano de governo, Bolsonaro aponta para a privatização de todas as estatais, da previdência social, privatização de tudo quanto for possível! Se depender do seu conselheiro-Mor, o economista Paulo Guedes, “privatiza-se tudo quanto puder”, diz em entrevista à revista Piauí, nº 144, de setembro de 2018, p. 20. Paulo Guedes chegou a ser consultado quando Dilma ainda era presidente para substituir Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, em dezembro de 2015. Segundo o próprio Guedes, ele foi jantar com Dilma no Palácio do Planalto, e, ao ser perguntado por ela sobre o que ele faria se ele fosse ministro da fazenda, ele teria respondido, “A primeira coisa é adotar o plano de Michel Temer, o ‘Ponte para o futuro’” (p. 21). Ou seja, Paulo Guedes é um dos tons de Temer. Daqui pra frente o cálculo é simples: ora, se Bolsonaro é Paulo Guedes, Bolsonaro é continuidade do plano-Temer, é, portanto, continuidade do plano entreguista, de um entreguismo vil porque disfarçado de pretensa defesa de soberania nacional, de nacionalismo, de patriotismo. Bolsonaro não representa, portanto, a superação de nossa condição de colônia do mundo, mas sua continuidade.
Léo Mackellene é mestre em “Literatura e Práticas sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Argumentação jurídica no curso de Direito e Editor de Publicações da Faculdade Luciano Feijão (FLF), em Sobral-CE. Escritor membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE). Autor de nove livros, dentre eles o romance Como gota de óleo na superfície da água (Radiadora, 2017). E-mail: leomackellene@gmail.com
(1) CARRARA, Ângelo Alves. “Para uma história dos preços do período colonial”. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/287950250/Para-uma-historia-dos-precos-no-periodo-colonial-Angela-Carrara-pdf. Acesso em 13/02/2020.
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