ELEIÇÕES 2020 EM FORTALEZA, quem segura a mão de quem?
- Léo Mackellene
- 4 de set. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de set. de 2022
Não há conciliação visível no horizonte para os progressistas no Ceará. E, nisso, perdemos todos. Para quem só vê a superfície, o bolsonarismo está derretendo. Pode até ser. O problema é que o ultraconservadorismo que o sustenta, não.
DESDE AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2018, há um embate entre os chamados “ciristas” e “lulistas” acerca de quem é o culpado pela eleição de Bolsonaro. Essa distribuição de culpas exacerbada pelos conflitos de natureza virtual – com um componente subjetivo ainda não estudado pela psicologia das massas − tem desenhado um cenário inconciliável entre os partidos da ala (dita) esquerdista da política nacional que reverbera nas políticas estaduais e municipais e que pode dar de bandeja a vitória à ala mais conservadora da política no Brasil atual.
Os progressistas estão apostando no derretimento do Capitão Wagner. Creditam isso ao achatamento da base bolsonarista, a quem o Capitão declarou apoio desde as eleições presidenciais de 2018, mas também ao malogro da greve da polícia militar no começo de 2020 (que assumiu conotações de motim e cumpriu papel de milícia). Estão errados. Bolsonaro – assim como o bolsonarismo – pode estar perdendo espaço na política, pode estar sendo acuado pelo poder judiciário, e, do ponto de vista parlamentar, os acenos para o centrão podem significar perda de apoio de sua base. Tudo isso pode demonstrar, a quem só vê a superfície, que o bolsonarismo está derretendo. Pode até ser. O problema é que o ultraconservadorismo que o sustenta, não. Bolsonaro – bem como o bolsonarismo – são apenas projeções históricas de um sentimento perene e antigo da sociedade brasileira, o mesmo sentimento que suicidou Vargas (que tinha o apoio de um dos maiores nomes da esquerda de todos os tempos, no Brasil: Luís Carlos Prestes; mesmo tendo, Getúlio Vargas, enviado sua esposa, Olga Benário, para a morte nas câmaras de gás dos nazistas em 1942), o mesmo sentimento que depôs Jango, o mesmo sentimento que alimentou o regime militar, o mesmo sentimento que elegeu Collor, e que agora elegeu Bolsonaro. Bolsonaro é apenas um sujeito histórico. Como os outros, passará. O sentimento que o alimenta é que é o problema. O bolsonarismo sobreviverá ao Bolsonaro.
No dia 05 de julho de 2020, o PT cearense confirmou o nome de Luizianne Lins como pré-candidata à prefeitura de Fortaleza. Na semana que antecedeu a este fato, o PSOL havia confirmado candidatura própria: Renato Roseno. Só no dia 17 de julho, o PDT de Roberto Cláudio e Ciro Gomes apresentou seus pré-candidatos: José Sarto, presidente da Assembleia Legislativa; Samuel Dias, secretário licenciado de Governo e ex-secretário de Infraestrutura de Fortaleza; Salmito Filho, deputado estadual e ex-presidente da Câmara Municipal de Fortaleza; Idilvan Alencar, deputado federal e ex-secretário de Educação do Estado; e Ferruccio Feitosa, secretário licenciado da Regional 2. Enquanto a esquerda se pulveriza, Capitão Wagner (PROS) cresce nas pesquisas. A pesquisa mais recente divulgada pelo O Povo aponta que o capitão tem 42,4% das intenções de voto. O apoio a Bolsonaro se mantém estável ainda, na mesma faixa de 30% das pesquisas pós-eleições presidenciais. E mesmo que a chapa Bolsonaro-Mourão seja cassada pelo TSE, pelo inquérito das fakenews, ou mesmo que os Bolsonaro sejam presos por algum envolvimento direto tanto no caso das rachadinhas da ALERJ, quanto no assassinato de Marielle, o sentimento hoje representado pelo bolsonarismo sobreviverá e estará à deriva em busca de um novo representante, um novo mito. É nesse vácuo, nesse lugar de vacância da representação do ultra conservadorismo que Capitão Wagner ganha força, e não o contrário. É possível que, justamente pela derrocada de Bolsonaro, caso ele seja cassado ou preso, o sentimento conservador esteja ainda mais raivoso, o que termina por enraizá-lo mais ainda.
A aliança PT-PDT está descartada desde pouco antes das eleições presidenciais de 2018. Há mais coisas nos bastidores da política do que julga nossa vã ciência política. A aliança PT-PSOL, no entanto, seria uma boa possibilidade, não fosse a nota – muito bem escrita, por sinal – de Felipe Araújo chamando os Ferreira Gomes de “coronéis”. Ou seja, a ala progressista fortalezense está em frangalhos. E nenhuma reconhece a possibilidade de, ao menos estrategicamente, fazer, ainda que momentaneamente, as pazes. (Oxe! Mirem-se no exemplo daquele cavaleiro da esperança, Carlos Prestes!)
Como disse uma das lideranças do PT no estado – que pediu para não ser identificada −, “é muito natural que a gente tenha eleição de dois turnos. No primeiro turno, os partidos se lançam e defendem seus programas. No segundo turno, os partidos se juntam”. Resta saber se esse padrão pode se repetir nos dias de hoje.
Em 2016, a disputa, de fato foi para o 2º turno, mas PT e PSOL ficaram de fora. Só isso aí já demonstraria que não se pode projetar sobre o PDT cearense os mesmos 11% dos votos na eleição presidencial ao Ciro, em 2018. Para o 2º turno, em 2016, foram Roberto Cláudio (PDT) e Capitão Wagner (PROS). E foi por muito pouco: Roberto Cláudio foi eleito com 53,57%. Capitão Wagner ficou com 46,43%. As abstenções, brancos e nulos somaram apenas 18,60%. A média nacional, naquele ano (o ano do golpe), girou em torno de 30%. Isso demonstra um comportamento politicamente engajado do eleitor cearense. Nas duas direções: à direita e à esquerda. Com uma diferença tão pequena assim, no auge do anti-esquerdismo – e com a liderança ainda hoje isolada do candidato bolsonarista –, receio não haver espaço para segregações partidárias. Roberto Cláudio não pode se candidatar a um terceiro mandato. Sendo assim, a pergunta que vale um milhão é: para onde vão os votos do PDT?
Precisamos ir fundo. No episódio da greve da polícia militar que acabou com o senador Cid Gomes (PDT) baleado, houve quem atribuísse ao próprio senador o impropério do atentado. Se, por um lado, a aliança PT-PSOL é sempre uma boa possibilidade, por outro, o texto de Felipe Araújo, militante do PSOL e integrante do mandato de Renato Roseno na câmara dos deputados, que viralizou e que chegou a ser compartilhado nas redes pelo Chico Alencar, do PSOL-RJ, sobre o atentado a Cid, inviabilizou totalmente a aliança PDT-PSOL. “Chance zero!”, disse uma das lideranças do PDT.
O texto de Felipe Araújo é extremamente bem escrito, apurado e impactante. Há um saboroso gosto literário naquele ensaio político. É um texto bom de degustar, mas não mais que isso. No entanto, o texto é representativo de um sentimento que a esquerda da capital cearense alimenta contra os Ferreira Gomes desde a gestão de Ciro na prefeitura, em 1989. Precisaremos examinar esse sentimento, bem como o comportamento político dos fortalezenses desde lá para cá, se quisermos responder à pergunta de um milhão. A resposta a esta pergunta pode dar pistas sobre o futuro da capital, quiçá do estado do Ceará.
Uma coisa é certa: precisamos de uma frente ampla não só para derrubar Bolsonaro. Precisamos urgentemente de uma frente ampla é para evitar que o ultra conservadorismo cego, totalitarista e preconceituoso suba ao poder às portas das nossas casas. Nestas sombras da velha política projetadas sobre a luz da ala (dita) progressista, Dilma tinha razão: “nem quem ganhar, nem quem perder vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder!”. O que aconteceu com o “ninguém solta a mão de ninguém”?! Quem vai segurar a mão de quem?
Léo Mackellene é escritor. Doutorando em "Educação Brasileira" pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em “Literatura e Práticas sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Argumentação jurídica no curso de Direito e Editor-chefe de Publicações da Faculdade Luciano Feijão (FLF), em Sobral-CE. Membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE). Redator do Guia Dragão. E-mail: leomackellene@gmail.com
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