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E agora?

Sobre "Como a esquerda brasileira morreu", de Vladimir Safatle

Ao invés de questionar as estruturas, com os olhos na cadeira presidencial e pensando na governabilidade, a esquerda preferiu dividir-se. Lula não ter apoiado Ciro foi um erro tanto quanto foi um erro Ciro não ter apoiado o PT. Ir para Paris deu o toque cômico à nossa tragédia! O resultado é imprevisível. Ontem, dia 12 de fevereiro de 2020, o El País publicou matéria de Marina Rossi intitulada “Bolsonaro lidera pesquisa para reeleição em todos os cenários em 2022, inclusive contra Lula”. E agora?!

 

O recente artigo de Vladimir Safatle incomodou parte significativa da esquerda brasileira. Houve quem chamasse o texto de “irresponsável”, considerando que o filósofo uspiano preconiza a morte da esquerda quase como um modismo tautológico, sem tocar no cerne do problema que, segundo tais comentaristas, é pragmático, mais do que conceitual. Houve quem concordasse com Safatle, mas num plano um pouco mais abstrato, assumindo que não só a esquerda morreu, mas a própria direita, talvez no sentido mesmo da crítica da representatividade, que, naturalmente, desagua inevitavelmente no populismo (seja de direita ou de esquerda). Para estes, tanto a direita quanto a esquerda tornaram-se reféns do mercado, que – diz essa leitura – tem efetivado uma “verdadeira revolução”, interferindo na forma-estado (diminuindo-o), nas relações trabalhistas (com as reformas e o que chamam de “uberização do capital”) e nas formas de vida cotidiana (reforma previdenciária e orientação dos discursos monocromáticos que se tornaram hegemônicos e que, de alguma forma, acabam por legitimar demonstrações abertamente declaradas de machismo, preconceito social, violência contra líderes sociais e, em muitos casos, até assassinato etc.), bem como tem influenciado a ereção (palavra bem cabível, neste contexto de ascensão do machismo) de um modelo de comportamento excludente e individualista.

Para contribuir com o debate, começo dizendo que ambos têm razão, inclusive Safatle.

A esquerda morreu porque, de fato, precisa voltar a ser esquerda. Temos nas mãos a dificílima tarefa de compreender – e aceitar − que Lula já cumpriu seu papel histórico, o mais importante desde Vargas, sim, mas que, agora, a esquerda precisa refundar-se como esquerda. Não se trata de jogar Lula aos leões, nem de desprezar seu precioso legado, principalmente para nós, nordestinos, mas de perceber que, dentro da atual estrutura da democracia representativa, essa esquerda foi o mais longe que poderia ter ido.

DIREITA CAPITALISTA, ESQUERDA ANTI-CAPITALISTA?

As linhas que, pós-abertura política (1985-2002), diferenciavam a direita da esquerda eram muito claras: a direita era capitalista e a esquerda, anticapitalista. Quando a esquerda assumiu a chefia do executivo nacional, no entanto, implementou políticas muito mais consoantes com os anseios do mercado que políticas que pudessem superá-lo: políticas de aquecimento da economia como o bolsa-família, minha casa, minha vida, minha casa melhor, redução do IPI, construção de hidrelétricas, portos, obras de transposição do Rio São Francisco, formas de subsídio para a gasolina, processos de interiorização do Ensino Superior, construção de escolas técnicas e até o discurso propagado pela imprensa sobre a qualidade do Ensino Técnico e a pretensa defasagem do Ensino Superior foram orquestrados no sentido mesmo de atender às necessidades do mercado.

Ou seja, quando a esquerda assumiu o governo, essa linha que a separava da direita tornou-se tênue. No artigo de Vladimir Safatle, isso aparece em alguns momentos. Um dos mais fortes é quando ele diz que “governo e oposição comungam da mesma cartilha” (referindo-se à agenda neoliberal), citando, inclusive, a guinada joaquimlevyana do segundo governo Dilma. Mas mesmo antes, não? Afinal, um dos grandes articuladores de Lula, desde o primeiro mandato, foi o Geddel (PMDB).

Mas essa guinada da esquerda meio à direita, digamos assim, também precisa ser melhor compreendida.

José Dirceu, em entrevista ao El país, em 26 de setembro (2), diz que havia duas prioridades nos governos Lula: 1) Fazer a reforma política, resolver o problema das Forças Armadas, resolver o problema da riqueza e da renda OU 2) atacar a pobreza e a miséria, fazer o Brasil crescer, ocupar um espaço na América Latina, ocupar o espaço que o Brasil tem no mundo (ou tinha, até a dupla Temer/Bolsonaro chegar ao poder). Lula optou pela segunda. Dirceu reconhece a ausência de condições políticas para a primeira. O coro geral sempre recorre ao argumento “no primeiro mandato, Lula foi eleito com 61,27% dos votos! Por que não fez as mudanças necessárias?”. Ora, é preciso lembrar Chico de Oliveira, em dois artigos publicados pela revista Piauí, “Hegemonia às avessas” (3), em janeiro de 2007, e “O avesso do avesso” (4), em outubro de 2009. Membro de uma das primeiras diretorias do PT, Chico reafirma ponto importante da eleição de Lula: o de que a hegemonia teria aceitado ser governada pela esquerda DESDE QUE A ESTRUTURA NÃO FOSSE QUESTIONADA!

Esse talvez seja o ponto de inflexão que falta ao texto de Safatle. Ele diz que a esquerda não foi capaz de “indicar a viabilidade de rupturas estruturais com o modelo neolilberal”. Ora, é justamente aí que fica mais fácil compreender por que sofremos um golpe. A esquerda foi o mais longe que poderia ter ido dentro dessa estrutura, quando a esquerda propôs uma mudança verdadeiramente estrutural − a revisão da alíquota de impostos retidos na fonte, a taxação das grandes fortunas, a taxação das grandes transações financeiras, a reforma política etc., a regulação da mídia (começando pela regulamentação da publicidade infantil) e a regulamentação dos conselhos populares, passamos a questionar a estrutura da ordem hegemônica e, justamente por isso, sofremos um golpe.

A ESQUERDA PRECISA VOLTAR A SER ESQUERDA

Estamos nesse ponto até hoje! As principais propostas presidenciáveis no 1º turno em 2018 incluíam discussões sobre três destes cinco pontos, e, embora reconhecêssemos os sinais do desgaste profundo da estrutura política (esse modelo de presidencialismo de coalizão), ninguém, nem mesmo a esquerda, teve coragem de propor uma reforma política. Ora, seria como chutar o pau da barraca!

A vitória da eleição presidencial estava essencialmente ligada a isso. Escrevi, à época, comentários sobre essa circunstância e os encaminhei a alguns políticos, mas, ou porque não quiseram ou porque não puderam, ou porque não deram bola ou ainda pelo ceticismo habitual quanto a ilustres desconhecidos como eu, passou batido.

Quem se aproximou de sugerir uma “reforma política” – ainda que não utilizasse essa expressão e ainda que da boca pra fora (aquilo que Safatle aponta no artigo como alguém que deveria demonstrar que “não é alguém da elite política”, e, mais, que “tal elite o detesta”) – foi Bolsonaro.

Ora, havia (e ainda há, em muitas medidas) uma crise de representatividade, − as jornadas de 2013 demonstraram isso claramente (não é totalmente falsa a narrativa de que a crise na esquerda começa ali. A crise na esquerda não é uma crise só da esquerda, mas da estrutura). Problematizar essa crise era a chave para a vitória da esquerda, mas aí esse teria sido um movimento por demais arriscado porque, desgastados como estávamos na opinião pública, sem prestígio político entre os próprios políticos, acossados pelas declarações dos generais Santa Cruz, Villas-Bôas ou mesmo do Gal. Mourão, construir, durante as eleições, uma crítica à estrutura da democracia representativa ou levaria a coisa pior do que estamos hoje ou à vitória. O fato é que a esquerda não topou a aposta. Primeiro porque, questionando a estrutura representativa, impreterivelmente, teria que abrir mão dela. E isso significaria (como ainda significa) libertar-se do lulismo, o último estágio desse modelo: a personalização da política; e, depois, detonando o sistema. Ora, o que mais repetia Bolsonaro ao longo da campanha? “Quando eu chegar lá, eu vou quebrar o sistema!”. Os que votaram nele alimentavam ESSA esperança.

As questões identitárias, apesar de importantes, são muito flutuantes. Não veem? Há pouco mais de uma semana, o Brasil comemorou, com bares ofertando descontos consideráveis na cerveja, a expulsão de um “machista” de um reality show que já havia sido abandonado pelo telespectador e que retomou, na sua estreia, segundo o IBOPE, 25 pontos de audiência, alcançando mais de 1,1 milhão de citações no twitter e, nas redes sociais, 24,5 milhões de referências com a hastag #BBB19. O que isso significa, politicamente?! Nada! Porque, apesar disso, temos Bolsonaro na presidência.

A questão central, ali, nas eleições, era a crítica ao sistema. E era o que a esquerda mais sabia fazer nos anos 80, 90, quando ainda estava na oposição, antes de começar a ganhar cargos na chefia do executivo dos estados e municípios. Em entrevista à revista Caros Amigos, em novembro de 2005, Marilena Chauí (5) lembra que a essência prática da esquerda é a crítica ideológica, a participação nos movimentos sociais, o debate das políticas existentes (tanto públicas quanto partidárias), a crítica ao neoliberalismo e à globalização. Desde a ascensão da esquerda à presidência, com Lula, a esquerda parece ter abandonado por completo esse ideário.

Seja como for, foi uma escolha nada acertada não ter questionado as estruturas da democracia representativa. Já a campanha bolsonarista foi toda montada sobre isso. Ele capitalizou o discurso antipolítica que ganhou corpo desde as jornadas de 2013. Ganhou apoio das pessoas “cansadas de politicagem” com um discurso que repetiu à exaustão: “quando eu chegar lá, vou quebrar o sistema!”.

E AGORA?

E agora? Bem, agora, a esquerda precisa voltar a ser esquerda, problematizando não só as questões sociais − como fazia antes de focar na “lógica eleitoral”, como diz Plínio de Arruda Sampaio − que escreveu o primeiro estatuto do PT − em entrevista à Caros Amigos, nº 98, em maio de 2005 (6) −, mas também, e talvez principalmente, questionando a estrutura: todo o esquema de toma-lá-dá-cá, a troca de “aprova meu PL que eu aprovo a tua PEC”, vota a favor dessa emenda, desse programa, que eu te dou um ministério, que eu te dou a chefia d’uma estatal... os financiamentos de campanha etc. Mas quem pode capitanear essa discussão? O PT? Desesperado, o PT foi capaz de aliar-se com protagonistas do golpe de 2016, Renan Calheiros, Eunício Oliveira. A esquerda repetia o velho jogo!

Essa é uma escolha que precisamos fazer agora! O que queremos?! Quando Safatle diz que precisamos reconhecer que chegamos ao fim desse modelo que articula “alianças entre demandas sociais e interesses de oligarquias locais”, surge a pergunta que nos incomoda até a medula: o que queremos? Sanar demandas urgentes, ainda que momentaneamente, com políticas do tipo bolsa família, sistema de cotas para acesso às universidades, PROUNI, FIES? Ou uma mudança estrutural profunda, apostando em modelos que, inclusive, podem nos tirar do jogo, não porque teremos cedido à direita, mas porque teremos construído a possibilidade da autonomia política do povo (será esse o “novo sujeito político” de que fala Safatle?).

Sim, ao invés de chutar o pau da barraca, questionando as estruturas, com os olhos na cadeira presidencial, pensando na governabilidade (qual o quê!), a esquerda preferiu dividir-se. Sabia do risco-militar representado por Bolsonaro e mesmo assim preferiu dividir-se. Lula não ter apoiado Ciro foi um erro tanto quanto foi um erro Ciro não ter apoiado o PT. Ir para Paris deu o toque cômico à nossa tragédia! O resultado é imprevisível. Ontem, dia 12 de fevereiro de 2020, o El País publicou matéria de Marina Rossi intitulada “Bolsonaro lidera pesquisa para reeleição em todos os cenários em 2022, inclusive contra Lula”. E agora?!

Léo Mackellene é mestre em “Literatura e Práticas sociais” pela Universidade de Brasília (UnB). Professor de Argumentação jurídica no curso de Direito e Editor de Publicações da Faculdade Luciano Feijão (FLF), em Sobral-CE. Escritor membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste (ALANE). Autor de nove livros, dentre eles o romance Como gota de óleo na superfície da água (Radiadora, 2017). E-mail: leomackellene@gmail.com

(1) SAFATLE, Vladimir. "Como a esquerda brasileira morreu". In: El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-10/como-a-esquerda-brasileira-morreu.html. Acesso em 13/02/2020. (2) DIRCEU, José. "Entrevista". In: El país. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/24/politica/1537815456_213002.html. Acesso em 13/02/2020. (3) OLIVEIRA, Chico de. "Hegemonia às avessas". In: Revista Piauí. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/hegemonia-as-avessas/. Acesso em 13/02/2020.

(4) OLIVEIRA, Chico de. "O avesso do avesso". In: Revista Piauí. Disponível em:https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-avesso-do-avesso/. Acesso em 13/02/2020.

(5) CHAUÍ, Marilena. "Entrevista". In: Caros Amigos. Novembro de 2005.

(6) SAMPAIO, Plínio de Arruda. "Entrevista". In: Caros Amigos. Maio de 2005.

 
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